As cerca de 3hrs de viagem permitiram-me um flashback nas minhas memórias e no meu caminho até ali, a Portalegre.
Tudo começou há cerca de 25 anos, com um desafio para cumprir os cerca de 21,097mts, na Nazaré. Pouco tempo depois e com a frescura dos meus vintes, foi o desafio dos míticos 42,195mts, na Maratona Spiridon, em Cascais.
Depois, vários anos mais tarde e já no início dos meus cinquentas, no meu 'nascimento' para o Trail, veio o concretizar do sonho do 'ultra', entendido como desafio superior aos 42,195mts.
Há cerca de 2 anos, devido a motivos da minha vida, vieram os 100,000mts.
No passado dia 18, em Portalegre, cumpri outro sonho, fazer uma prova de trail com 100,000mts.
Consegui!!
Portalegre surgiu como hipótese privilegiada, em 2012, quando no Fórum da Corrida, li rasgados elogios à qualidade da prova e à qualidade da organização.
Era o mínimo que poderia e deveria fazer, assegurar-me que haveria boas hipóteses de correrem bem os factores que não dependessem directamente de mim, ou seja, assegurar-me que no aspecto organizativo não seriam colocados quaisquer obstáculos à minha prestação.
As últimas semanas não foram pacíficas.
A desistência no Ultra de Sesimbra não augurava nada de bom. Aliás, aquela prova foi um desastre do ponto de vista desportivo, o oposto do que eu fizera um ano antes.
Porque 2013 não tem sido um ano especialmente produtivo em termos de carga de treinos, muitas dúvidas se colocavam à minha capacidade em aguentar tal empreendimento.
À medida que os dias em falta iam diminuindo, crescia a angústia sobre se deveria ou não embarcar nesta aventura.
Passou-me muitas vezes pela cabeça desistir e adiar a viagem a Portalegre por um ano.
Nas vésperas da tão esperada e ao mesmo tempo temida sexta feira, no último treino que fiz, 3 dias antes, senti-me pesado, sem força e por isso profundamente desanimado.
Mas a natureza humana tem destas coisas, o medo transforma-se, supera-se e pensa-se "logo se vê"!!
Ali, em Portalegre, rapidamente me dirigi ao secretariado para recolher o dorsal (M44), de volta ao carro, ainda deu para beber um café numa roulote. Olhei para o relógio e fiquei mais descansado, faltavam ainda cerca de 60' para a partida.
Mais calmo equipei-me, como tantas vezes o fiz, embora lá no fundo, o nó no estômago me lembrasse, de vez em quando, que tinha pela frente 100Kms de pura montanha, num Trail classificado como "Difícil" e que concede 3 pontos aos finishers e candidatos ao Mont Blanc!!
Aqui foi um ponto a meu favor: temperaturas baixas e chuva!
- Às 10:30 dirigi-me ao 'cadafalso'.
- Às 10:40 fiz o check-in.
- Às 10:45 estava no estádio, onde tudo iria começar e com muita esperança minha, acabar!
Muitas caras conhecidas. O Francisco Monte que ia fazer a estreia (e que estreia seria ...) nos 100Kms rumo ao Mont Blanc. O Joaquim Adelino, o Luís 'Tigre' Miguel, o Jorge Serrazina, o António Almeida, o Carlos Couto e muitos outros.
Sente-se ali um ambiente diferente da generalidade das provas a que estou habituado.
Não há grandes manifestações, há um clima de alguma tensão. Todos os segundos são aproveitados para ver e rever todos os aspectos no equipamento.
Troquei algumas palavras com o Francisco, desejei-lhe uma boa prova e alguns minutos depois era a partida.
E de súbito cerca de 300 almas são largadas no escuro, para os trilhos que nos separam de estar de volta a este mesmo estádio donde saíamos agora, em passo curto.
Como meio de me auxiliar a controlar o meu esforço e sempre com a Arrábida no pensamento, procurei o Joaquim Adelino.
Ele era repetente, conhecia por isso o traçado e o passo dele, como já pude comprovar em diversas ocasiões que andei ao seu lado, assemelha-se muito ao que eu precisava naquele início de prova.
Alguns Kms à frente encontrei-o. Ia acompanhado pelo Luís Miguel e juntei-me a eles. O que planeei seria fazer com eles a 1ª metade da prova, ver como me sentia nessa altura e depois decidir qual a táctica mais aconselhável nessa altura.
As minhas 'balizas' eram:
- Pac3 em 07:00hrs
- Pac6 em 14:30hrs
- Pac9 em 21:45hrs
Se eu desistisse por falta de pernas, assumia tal limitação e voltava costas. Agora era impensável para mim ser afastado da prova por atingir algum destes PAC fora dos horários definidos.
Há o 1º curso de água e a 1ª cena digna de registo.
Um grupo de 4 espanhóis, todos equipados a rigor e com os bastões da moda. Mas os rapazes estavam com pouca vontade de molhar os pés e a certa altura, sobre as pedras no riacho, a fazer equilibrismo e atrás dos tais espanhóis, vejo as pontas de 2 bastões à frente dos olhos e assusto-me. O sujeito em vez de usar aquilo para se apoiar, estava a usar aquilo para me espetar!!
Escrevi na altura no tlm.: "1ª hora com 7Kms"
No PAC1 - Viveiro (11Kms) ainda vou com o Joaquim e com o Luís. Foram 11Kms para aquecer sem nunca ferver!!
Alguns pedaços de banana e ala, para não arrefecer.
Passados 7Kms, no PAC2 - Alegrete, deliciei-me com tostas acompanhadas com marmelada, naquele coreto de difícil acesso.
Pac2 = 02:27hrs
Neste ponto do traçado mais uma cena digna de registo. Vamos ainda os 4, agora sei que o 4º elemento e que eu não conhecia era a Susana Brás. Aqui ajudo o Joaquim a vestir o corta-vento. Com mais a ajuda do Luís, andamos ali os três à procura do capucho daquilo. Com 'apenas' 17Kms, já não dávamos com aquilo!!
Está frio e começa aqui o ataque às antenas e ao PAC3.
Escrevi na altura no tlm.: "3ª hora com 19,5Kms. Mais vento e frio. Venho com o Luís e o Joaquim aí atrás"
Adianto-me um pouco, embora nunca nos afastemos muito uns dos outros.
Ando aqui alguns Kms com o Tomé, do Mundo da Corrida. Faz-se silêncio naquela caravana. Tudo no escuro, tudo a passo e concentrado na tarefa que temos pela frente.
Mais umas notas no tlm.: "Vou agora sózinho. Elevação em 950mts. Está muito frio. Mãos e nariz gelados. 4hrs e 26Kms"
Pac3 = 04:54hrs
Adiantei-me um pouco e chego ás Antenas sózinho. PAC3 - Antenas. Está muito frio e muito vento. Uma bancada e um toldo, no meio do nada constitui o PAC3. Alguns elementos embrulhados em cobertores. Faço o controlo, peço um café, agarro em 2 queques e vou para dentro dum contentor, que felizmente alguém abandonou ali. Vários concorrentes vão desistir aqui. Hipotermia! Estarão a sentir o mesmo que eu senti há umas semanas atrás, em Sesimbra.
Escrevi na altura: "5hrs e 30Kms. Nas antenas os 1ºs abandonos. Estou gelado mas sinto-me bem. Sigo agora o Antº Almª. O ambiente aqui em cima é de fugir ..."
Vejo entretanto o António Almeida a arrancar e arranco com ele. Sei que em 2012 ele e o Joaquim andaram grande parte do percurso juntos, é por isso outro candidato para ser 'agarrado'. Sei por outro lado que o Joaquim tem a companhia do Luís, por isso vou à procura da minha.
"Apreciem agora estes 900mts de single track" está escrito num placard no início duma descida, logo ali à saída do PAC3. Devo confessar que não apreciei nem 1mt daquele single track!!
O nevoeiro dissipava a luz do meu frontal, o frio fazia os meus olhos lacrimejarem e por isso foram 900mts sempre na expectativa duma queda, porque mal conseguia ver o caminho.
Felizmente, um pouco mais à frente começa a nascer o dia. Acompanhado pelo António encontramos o casal de 'lebres' Mota, com quem andaremos durante uns Kms.
Percorremos agora numa zona muito bonita e o nascer do sol é espectacular. É a Barragem da Apartadura, a nossa próxima paragem e final de viagem para mais uns quantos, que desistem ali.
Pac4 = 06:53hrs
Como pão com marmelada e coca-cola. Alguns minutos de intervalo e seguimos caminho, rumo ao PAC5.
Que inveja!
ResponderEliminarJá te disse uma vez: quando for grande quero ser como tu!
Mas julgo que já não vou a tempo!